Negros ganham metade da renda de brancos; igualdade levará mais de 70 anos

A abolição da escravidão aconteceu em 1888, mas negros e brancos ainda vivem em um mundo desigual. A Oxfam, entidade humanitária fundada no Reino Unido e hoje presente em 94 nações, que combate a pobreza e promove a justiça social, estima que esses dois grupos só terão uma renda equivalente no país em 2089,
daqui a pelo menos 72 anos.

 

“A gente fez um cálculo da média da equiparação salarial entre negros e brancos de 1995 a 2015 [dados mais recentes] e projetou o resultado para saber em quanto tempo, seguindo o ritmo desses 20 anos, se chegaria à igualdade de salários”, explica Rafael Georges, cientista político e coordenador de campanhas da Oxfam Brasil.

 

Em seu relatório sobre desigualdades brasileiras, a ONG aponta cenários futuros para a distribuição de renda, com base em dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da Pnad anual (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).

 

Nesta conta, foram considerados todos os tipos de ganhos de mulheres e homens, tanto brancos como negros: além da renda gerada pelo trabalho, também aquela que vem de benefícios sociais (como Bolsa Família), da aposentadoria, do aluguel de imóveis e do rendimento de aplicações financeiras, por exemplo.

 

Em 2015, considerando todas as rendas, brancos ganhavam, em média, o dobro do que ganhavam negros: R$ 1.589 em comparação com R$ 898 por mês. Em 20 anos, os rendimentos dos negros passaram de 45% do valor dos rendimentos dos brancos para apenas 57%.

 

Se mantido o ritmo de inclusão de negros observado nesse período, a equiparação da renda média com a dos brancos ocorrerá somente em 2089, calcula a entidade. “Se a gente tirasse a informação sobre os programas sociais, que chegam mais para a população negra, que é a mais pobre, talvez esta projeção de equiparação salarial fosse ainda pior”, afirma Georges.

 

O cientista político também ressalta que houve uma estagnação da desigualdade de renda entre 2011 e 2015, enquanto vinha ocorrendo uma lenta redução nos anos anteriores (na janela 1995-2015, que serve de parâmetro para o relatório).

 

“Essa estimativa [de equiparação], que é apavorante, pode nem acontecer”, afirma Rafael Guerreiro Osório, sociólogo e pesquisador do Ipea. “Isso depende de a gente continuar melhorando como estávamos, mas nada diz que a gente vai continuar melhorando. O estudo tem o mérito de chamar a nossa atenção para o fato de que é preciso continuar considerando a desigualdade racial um problema e buscando soluções para enfrentá-la.”

 

67% dos negros recebem menos de 1,5 salário mínimo
Segundo o relatório da Oxfam, 67% dos negros brasileiros estão entre as pessoas que recebem até 1,5 salário mínimo. Os brancos são menos de 45%.

 

“Cerca de 80% das pessoas negras ganham até dois salários mínimos. Tal como acontece com as mulheres [veja abaixo], os negros são menos numerosos em todas as faixas de renda superiores a 1,5 salário mínimo, e para cada negro com rendimentos acima de dez salários mínimos, há quatro brancos”, indica o documento.

 

Para chegar a estas conclusões, a ONG se baseou na Pnad contínua do quarto trimestre de 2016, considerando somente a renda do trabalho.

 

Na avaliação do cientista político, em um apanhado histórico de 40 anos, o Brasil teve uma trajetória de redução das desigualdades, ainda que “muito tímida”. Ele destaca que essa diminuição se deu, no entanto, entre a base da pirâmide social, onde estão os mais pobres, e a classe média, enquanto o topo da pirâmide, onde estão os mais ricos, não foi alterado.

 

“Esses são os dados mais recentes, por exemplo, das pesquisas tributárias, que mostram que o 1% mais rico continua com uma fatia de renda geral do país entre 20% e 30% de toda a renda produzida no Brasil”, afirma.

 

Como antecipar a igualdade salarial?
A inclusão educacional, na opinião dos dois pesquisadores ouvidos pelo UOL, é a uma das formas mais eficientes de reduzir as diferenças, porque é a educação que dá mais chances a um indivíduo de alcançar uma posição mais alta na pirâmide social e de obter renda melhor.

 

Para o cientista político Rafael Georges, é a escolaridade que provoca a diferença de ganhos entre as pessoas. “É o que nós chamamos de ‘prêmio salarial’, aquilo que você ganha mais por ter mais formação. Quanto maior esse prêmio, pior para a sociedade.”

 

Na sua opinião, a sociedade deve melhorar sua escolaridade como um todo, “para que não se ganhe tanto a mais que outros quando se tem um diploma universitário”. Pensando nisso, o tamanho da diferença entre o que brancos e negros recebem se explica em três principais motivos, de acordo com Georges:

  • Negros têm, em média, escolaridade muito mais baixa que a dos brancos, o que afeta o rendimento salarial, por não alcançarem tantas vagas em universidades.
  • Pais de negros têm pior formação, o que traz impacto negativo para a renda e a educação dos filhos.
  • Discriminação racial: “Se existem diferenças salariais entre negros e brancos dentro de uma mesma carreira, é impossível falar que não existe racismo. É muito difícil quantificar, mas é impossível negar”.

 

“Você tem que nivelar o campo de jogo”, diz o sociólogo Osório. “Há mais negros acessando o ensino superior, mas eles estão indo para faculdades particulares, estão fazendo cursos que não são tão valorizados no mercado de trabalho. É possível diminuir a diferença em alguma medida, mas, em grande parte, os avanços deslocam a desigualdade para um nível mais alto, em outros termos e configurações.”

 

“Melhorar a escolaridade dos negros pode aumentar o ritmo dessa tendência de igualdade salarial. Assim como conter a evasão escolar, melhorar o acesso a universidades e combater o racismo institucional. Também é importante ter políticas afirmativas com cota”, ele avalia.

 

Entre homens e mulheres, igualdade salarial ocorrerá em 2047
A Oxfam calcula que, mantida a tendência dos últimos 20 anos, mulheres terão equiparação salarial somente em 2047. “Levando em conta apenas a renda do trabalho, mulheres são mais numerosas na faixa salarial de até 1,5 salário mínimo, passando a ocupar menos espaço em todas as faixas subsequentes”, diz o relatório.

 

De acordo com o documento, “65% das mulheres ganham até 1,5 salário mínimo, em contraste com 52% dos homens, e há cerca de dois homens para cada mulher na faixa de renda superior a dez salários mínimos”.

 

“No Brasil, ninguém pode dormir tranquilo e dizer assim: ‘Tudo o que eu tenho é resultado do meu esforço’, porque não é. Milhões de pessoas foram impedidas de competir com você pelas mesmas oportunidades por causa do lugar onde nasceram, da cor da sua pele e de seu sexo”, conclui o sociólogo Osório, do Ipea.

 

*Fonte: UOL Notícias.