Um dos temas mais recorrentes entre lideranças municipais durante a XV Marcha de Prefeitos a Brasília, encerrada na última quinta, 17, foi a dívida das prefeituras com o Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS. As prefeituras brasileiras devem, no conjunto, mais de R$ 22 bilhões ao INSS. A dívida atinge mais de 90% dos municípios, que ao longo dos anos deixaram de pagar ou atrasaram o pagamento com a Previdência. No Pará, este montante chega a mais de 98% de prefeituras endividadas. Com as fichas sujas, os municípios vão para o temível Cadastro Único de Convênios, o CAUC, e ficam impedidos de receber recursos da União.
“Acredito que os municípios que estão em dia com o CAUC não ultrapassam 15 dos 143 paraenses. É uma situação muito grave e que poucas pessoas têm conhecimento”, explica o prefeito de Moju, Iran Lima, que faz parte do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Municípios (AMB). O CAUC é uma lista de inadimplentes com o governo federal, uma espécie de “Serasa” das prefeituras. Foi idealizado pelo Tesouro Nacional em 2001 para impedir repasses a municípios e estados que não cumprem exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal ou que usam de forma irregular recursos da saúde e da educação. Estima-se que mais da metade dos pequenos municípios e dos estados estão nessa lista.
Já a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece limites de gastos dos municípios, estados e governo federal com o pagamento com pessoal, recursos de manutenção da máquina administrativa e investimentos em infraestrutura, em saúde e em educação. Com tantas leis, limites, cobranças e controle, os prefeitos alegam ficar na desconfortável situação de “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. “Estamos mesmo no limite de nossos gastos. O que arrecadamos não cobre o que precisamos pagar para manter o mínimo de obrigações dentro do município”, destaca Iram Lima.
Ele informa que o pagamento da parcela do INSS devido pelas prefeituras para toda a folha de pessoal, incluindo aposentados, incide no limite da Lei de Responsabilidade. “É aí que ficamos entre a cruz e a espada: ou pagamos a folha, investimos em saúde e educação e melhoramos a infraestrutura da cidade, ou pagamos o INSS. Muitos preferem não pagar o instituto e então vão direto para o CAUC”, explica.
O município administrado por Iran Lima, Moju, está entre as poucas cidades paraenses que não estão com cadastro negativo no CAUC. Mesmo assim, coube a ele defender, na semana passada, um projeto que começou a tramitar na Câmara dos Deputados que pode – pelo menos em parte – contribuir para minimizar os efeitos desta roleta russa que perturba a vida de dez em cada dez prefeitos.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 164/12, da deputada federal Elcione Barbalho (PMDB-PA), propõe a alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal para excluir dos limites dos gastos com pessoal dos estados e municípios, os encargos sociais e contribuições pagos às entidades de previdência social. O objetivo da proposta é aumentar o limite das despesas com pessoal, evitando assim que estados e municípios descumpram a LRF e sejam punidos com a suspensão do repasse de recursos federais.
Elcione Barbalho argumenta que o governo vem desonerando a folha de pagamento de diversos setores privados da economia e que essa é uma forma de contemplar também o setor público. Ela lembra que, por um lado, a LRF só permite um gasto de até 60% da receita corrente líquida com pessoal (o que inclui os encargos) e, por outro, a lei do Fundeb exige que 60% dos recursos do fundo sejam utilizados em pagamento de pessoal do magistério na educação básica, em efetivo exercício na rede pública.
As exigências da LRF e do Fundeb se contrapõem, tornando inviável o cumprimento dos dois dispositivos: de um lado, o teto de 60% da receita corrente líquida para aplicação em despesas de pessoal (e encargos), e o piso de 60% dos recursos do Fundeb para remunerar os profissionais que atuam na educação básica, que é de responsabilidade dos municípios. “As dificuldades de compatibilização dessas duas exigências se ampliam à medida que a receita do estado ou município seja reduzida, e os recursos do Fundeb constituam parcela preponderante dessa receita”, afirma.
Situação municipal deve ser avaliada, diz Elcione
A deputada federal Elcione argumenta que em situações extremas os municípios poderão optar por não pagar ou atrasar o pagamento dos encargos sociais e contribuições, para não desobedecer a Lei de Responsabilidade Fiscal, com todas as suas penalidades. Isso porque, possivelmente mais à frente, será mais fácil parcelar a dívida previdenciária e regularizar a situação.
A deputada lembra que, no momento em que se estabelece um grande fórum de discussões em torno da revisão das dívidas dos estados com a União, admitindo-se a necessidade de modificações na Lei de Responsabilidade Fiscal, nada é mais oportuno do que estender as atenções para a situação dos municípios, “igualmente pressionados e, muitas vezes, impossibilitados de cumprir as exigências e os limites impostos pela referida LRF.”
A proposta será analisada pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição de Justiça e de Cidadania antes de seguir para o Plenário. A Câmara analisa também o Projeto de Lei 3196/12, de autoria do deputado Rogério Carvalho (PT-SE), que limita em 15% o percentual máximo de comprometimento mensal da receita corrente líquida municipal com o parcelamento de dívidas com o INSS.
Em 2005, a Lei 11.196/05, que estabeleceu condições especiais (isenção de multas e redução de 50% dos juros de mora) para o parcelamento de débitos previdenciários dos municípios, havia fixado um limite máximo de comprometimento de 9% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), mas o inciso com esse percentual acabou sendo vetado. A lei atual, portanto, prevê apenas um limite mínimo (de 1,5% da receita corrente líquida municipal) para essas despesas.
As dívidas com o INSS têm provocado um desequilíbrio financeiro nas contas de inúmeras prefeituras. Alguns municípios são obrigados a comprometer até 40% de suas receitas para pagar débitos previdenciários. Essa, segundo os gestores municipais, é a principal razão para se estabelecer um teto para o pagamento dessas despesas, sob pena de inviabilizar o funcionamento de várias prefeituras.
O endividamento das prefeituras com o INSS tem provocado inúmeras renegociações e parcelamentos por parte do governo federal. Mesmo assim não consegue resolver o alarmante estado de inadimplência dos entes federativos.
Estudo do economista François Bremaeker, do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM – demonstra que uma dívida de R$ 100 mil, renegociada pra um prazo de 240 meses, faz com que os municípios paguem a astronômica cifra de R$ 4.386.777,18, ou seja, quase 44 vezes mais do que o valor original da dívida.
A Receita Federal não informa o número de prefeituras paraenses que estão inadimplentes com os recentes parcelamentos das dívidas com o INSS. Não informa também a lista dos principais municípios que devem ao INSS. O órgão alegou sigilo fiscal. Os municípios que deixaram de pagar o parcelamento por três meses seguidos ou seis meses alternados tiveram as prestações em atraso descontadas do repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), conforme expresso no acordo de renegociação. A legislação prevê a suspensão do parcelamento caso o município não aceite o desconto no FPM.
Graças às parcelas que devem pagar mensalmente ao INSS, os cofres das prefeituras deixam de receber boa parte dos recursos referentes FPM, repassados pela União nos dias 10, 20 e 30 de cada mês. De acordo com dados da CNM, 1.367 cidades brasileiras têm na verba mais de 50% de suas receitas. Em outros 3.871, a soma do FPM e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é equivalente a mais da metade da receita.
Na última década, o governo tentou reorganizar os débitos com os Estados por duas vezes. Em 2006, uma medida provisória (MP) parcelou em 120 vezes a contribuição individual e, em 130, a cota patronal. O texto também acabava com a retenção de recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A dívida passaria a ser paga por meio da Guia de Previdência Social. Por desentendimentos com prefeitos e parlamentares, o então presidente Lula vetou o texto.
A situação se repetiu três anos depois, quando Lula barrou, novamente, uma MP que editara para retificar a dívida. A proposta era semelhante à versão anterior, mas não avançava no “ponto crucial” para os municípios – a troca da taxa Selic, atual indexador dos débitos, pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).
Agora, o governo tem travado os projetos de leis que tratam da renegociação. “Nada está resolvido, estamos na dependência do governo”, reclama o presidente da CNM, Paulo Ziulkolski. “Nas medidas provisórias, nós aprovamos contos de fada que, depois, Lula vetou”, disse.
A existência de débitos não negociados com o INSS impede os municípios de obterem a Certidão Negativa de Débitos (CND), que é exigida na contratação de financiamentos.
Os problemas gerados pelo acerto de contas entre municípios e União é tão grave, que chega ao ponto de um município ter concluído 2/3 de uma obra mas, se na data do repasse do último pagamento estiver em dívida com o INSS, e por conseqüência, no CAUC, a obra para como está, e corre o risco de tornar-se mais um elefante branco espalhado pelo interior do país.
Deputado tenta socorrer Óbidos
Situação inusitada vivem o deputado paraense Lira Maia (DEM) e o município de Óbidos. O município decretou estado de emergência por causa das cheias do rio Amazonas, mas, por estar em dívida com o INSS e inscrito negativamente no CAUC, não consegue a liberação dos recursos de emergência. Lira Maia tem feito um verdadeiro périplo pelos gabinetes de Brasília em busca de recursos para socorrer o município. Mas o Ministério da Integração, que libera recursos emergenciais para catástrofes, não dá sinais de que irá socorrer o município.
O deputado cita como exemplo de dificuldades das prefeituras a obra de contenção do porto de Óbidos, que já está com mais de 2/3 de sua construção concluída. Mas o prefeito não consegue liberar o restante do recurso porque entrou no cadastro de inadimplentes do governo, o CAUC. Somente no oeste do Pará, conforme informou Lira Maia, estão inadimplentes os municípios de: Uruará, Alenquer, Altamira, Aveiros,Monte Alegre entre outros. Grandes cidades como Belém e Marabá também estão inscritas negativamente no cadastro.
Santarém, que também sofre com as enchentes dos últimos dias, vai poder receber recursos de emergência, já que figura entre os poucos municípios paraenses que estão com suas contas zeradas.