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Sociólogo sueco realiza palestra na UFPA

Leia abaixo entrevista publicada na Folha de São Paulo com o sociólogo Göran Therborn.

Pêndulo eleitoral tende a mudar

A crise financeira não tirou a esquerda da defensiva; a direita derrotou a social democracia na Europa. Mas a falta de saídas neoliberais consistentes deve fazer o pêndulo do ciclo eleitoral mudar de tendência. A avaliação é do sociólogo marxista sueco Göran Therborn, professor emérito aposentado da universidade de Cambridge.

Nesta entrevista ele fala das principais eleições no mundo neste ano, do declínio dos EUA e do individualismo. Therborn, 70, estará no Brasil nesta semana para o lançamento de seu livro “Do Marxismo ao Pós-Marxismo”.

No dia 10 de abril, a palestra será no Tucarena, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); no dia seguinte ele estará na Câmara Municipal de Porto Alegre; e em 13 de abril falará na Universidade Federal do Pará (UFPA).

Folha: No seu livro “Do Marxismo ao Pós-Marxismo”, de 2008, o sr. diz que a esquerda está na defensiva. Ainda está hoje?

Göran Therborn: No conjunto, sim. O crash financeiro e a extraordinária deslegitimação da aceleração da desigualdade econômica e a escandalosa renda de executivos não colocaram a esquerda na ofensiva social em nenhum lugar. Existiram, e ainda existem, alguns movimentos inovadores, como a Democracia Real Ya! E o 15-M na Espanha e o norte-americano Occupy Wall Street e suas ramificações. Mas eles não foram capazes de mudar os parâmetros básicos do jogo político nacional. Os grandes protestos na Grécia têm sido claramente lutas defensivas. O movimento estudantil chileno, contra a mercadilização do ensino superior, é uma exceção. Ele foi capaz de se conectar com outras forças sociais, desde os sindicatos até a classe média. O governo Piñera, com a sua gestão arrogante, foi empurrado para a defensiva.

Muita coisa mudou de 2008 para 2012: a crise financeira global, a Primavera Árabe. As mudanças o surpreenderam? O seu livro ficou desatualizado por causa delas?

Crises em economias capitalistas não surpreendem um cientista social ou um historiador social, embora prever as datas dos seus surtos seja tão difícil como prever as datas dos verões europeus. Os problemas sociais estavam se acumulando sob as envelhecidas ditaduras e oligarquias árabes como indicado em meu livro e os incipientes movimentos de protestos foram colocados em um livro que publiquei depois, em dezembro de 2010 –“The World” [O Mundo], Cambridge, Polity. Mas eu não esperava a primavera de revoltas.

A ciência social não pode pretender prever eventos específicos. Ela lida com as possibilidades e as condicionalidades de eventos. As mesmas condicionalidades ainda estão conosco: a predominância do capital financeiro, as estruturas sociais e econômicas e a profunda e importante religiosidade islâmica nas sociedades árabes. As possibilidades de um islamismo social, brevemente discutidas no meu livro, agora serão testadas. Suas chances no curto prazo são pequenas.

 

Qual o significado dessas mudanças? É possível dizer que o neoliberalismo está perdendo a hegemonia?

Muitas mudanças estão acontecendo sem uma causa em comum. O crash financeiro do Atlântico Norte não estava conectado com a Primavera Árabe, por exemplo. A economia árabe foi pouco afetada de início e no final de 2010 o FMI previu uma retomada vigorosa. No entanto, é evidente que o neoliberalismo foi forçado a um recuo.

O aumento da volatividade e da severidade da crise do capitalismo financeiro, demonstrada dramaticamente quatro vezes em um pouco mais de uma década, efetivamente demonstrou a destrutividade dos mercados desregulados e do movimento de capital: a crise de 1997-98 criou o caos na Tailândia, Indonésia e Coreia do Sul, se espalhou para a Rússia e derrubou o Consenso de Washington do FMI e do Banco Mundial. O colapso de 2001 da economia argentina, aluna exemplar do FMI, foi outro golpe. O crash de 2008-09 sacudiu as próprias bases do sistema bancário anglo-saxônico, salvo apenas por um resgate governamental historicamente sem precedentes. A crise na Eurozona de 2011 mostrou a capacidade de autodestruição das bolhas de fluxo de capital.

A Primavera Árabe também destacou que as aberturas e a liberalizações das economias árabes haviam conseguido virtualmente nada de significativo em relação ao desemprego e às perspectivas sociais dos grandes grupos de jovens cada vez mais instruídos. Por enquanto, nenhuma força política está argumentando que o único caminho para um futuro melhor são mais privatizações e desregulamentações. Por outro lado, nos países mais ricos nenhuma alternativa articulada apareceu. O resultado é visto de forma mais clara na Europa, com a frenética preocupação com os cortes de gastos e redução de déficits, o que todo mundo sabe que vai prolongar a recessão e, nos países com crise aguda, vai agravá-la.

Alguns acreditam que a crise atual coloca a democracia em perigo, comparando a situação atual com a dos anos 1930 (depressão e fascismo). O sr. concorda? Teme a ascensão da direita?

A democracia no seu sentido mais limitado, de eleições livres e competitivas, não está em perigo. O amplo e diversificado estabelecimento do estado de bem-estar social capitalista significa que os efeitos sociais dos choques econômicos hoje são incomparáveis com a miséria e o desespero criados pela depressão dos anos 1930. Na Europa Ocidental não há movimentos fascistas com algum significado. O que há são xenófobos, principalmente islamofóbicos, partidos e movimentos. Eles são sórdidos e cruéis, com influência governamental na Holanda e, até recentemente, na Dinamarca. Mas eles não ameaçam a democracia minimalista. Na Europa Ocidental a ameaça à democracia vem da tecnocracia. A crise na Eurozona levou à suspensão de governos democráticos, eleitos, na Grécia e na Itália. Quando o governo do primeiro-ministro grego Papandreou tentou fazer um referendum sobre o pacote de políticas para enfrentar a crise foi derrubado pelos governos da Alemanha e da França.

Na Europa Oriental a situação é mais incerta. A Hungria tem um governo muito autoritário de direita, junto com um partido fascistóide, enquanto o resto do centro-leste da Europa parece mais estável democraticamente. Na ex- URSS pós-comunista e nos Bálcãs, há mutantes de antigas e sombrias forças autoritárias, que desencadearam outras novas e importantes de vários tipos.

A social-democracia foi parceira do neoliberalismo europeu. Qual foi o resultado disso? Ela perdeu credibilidade?

Sim, isso é claramente o que aconteceu nas derrotas social-democratas na Grã-Bretanha, Hungria, Portugal e Espanha e se manifesta na ampla crise europeia da social-democracia. Mas como não há solução liberal, o pêndulo do ciclo eleitoral tende a mudar. A social-democracia alemã está crescendo em pesquisas e nas eleições provinciais e a vitória de François Hollande na França é ainda uma boa aposta.

Por que a direita ganhou na Espanha, apesar dos protestos de rua?

O movimento de protesto espanhol não criou nenhuma saída política crível, ao contrário da Argentina, onde uma nova corrente, o kirchnerismo, surgiu abaixo do eterno guarda-chuva do peronismo, que uma vez foi a base de Menem. A sempre dividida Izquierda Unida foi muito pequena para aparecer como uma alternativa, apesar de obter alguns votos e, mais recentemente nas eleições da Andaluzia. Muitos antigos eleitores do PSOE ficaram em casa e o comparecimento às urnas foi baixo. O PP era simplesmente a única alternativa eleitoral que havia para a bagunça econômica que o governo Zapatero deixara.

Como o sr. vê o futuro do euro?

O euro vai continuar e, talvez, seja estendido a mais alguns países do leste. A União Europeia é lenta e desajeitada na tomada de decisões, mas suas instituições têm uma grande capacidade de resistência.

Como o sr. analisa as eleições na França, Grécia, México e Estados Unidos?

Tomo a ampla gama de suas importantes questões como um reconhecimento do rico potencial da tradição marxista. As eleições na França, Grécia e no México incluem forças fortes de esquerda, assim como forças de centro-esquerda. O candidato socialista francês François Hollande está à frente em questões sociais e econômicas. A guerra na Líbia não impulsionou a posição precária de Sarkozy, mas ele agora está ganhando força entre a direita xenófoba. De forma notável, a França é o único país grande país capitalista com significativas correntes de extrema esquerda, que ganham entre 10% e 20% dos votos. Esta é a situação novamente para a esquerda social-comunista da Frente de Esquerda e do trotskista Novo Partido Anticapitalista.

A Grécia tem uma esquerda com uma organização muito mais forte do que a Espanha. Tem a chance de se tornar a maior força eleitoral no país. Mas está dividida entre três partidos significativos, assim como em outras correntes que não convivem bem entre si. Há dois partidos socialistas de esquerda e o tradicional núcleo da esquerda grega, o ortodoxo partido comunista, tem ainda grande influência nos sindicatos e num eleitorado não negligenciável, apesar de parecer estar crescendo menos do que os socialistas de esquerda. O conservador Nova Democracia pode ganhar por causa da divisão da esquerda e também por se beneficiar de sua longa resistência pública às medidas de austeridade pedidas pela União Europeia e pelo FMI. Os social-democratas, que se renderam às pressões da crise, serão os grandes perdedores.

O México tem um habilidoso porta-bandeira da esquerda, Andrés Manuel López Obrador, um ex-prefeito da Cidade do México, que perdeu por pouco em 2006, provavelmente devido a irregularidades eleitorais. Desde então ele organizou um vasto movimento com raízes nacionais. Mas ele a oposição da rica comunicação de massa e as máquinas brutais do clientelismo. Não é provável que ele vença, mas, se isso acontecer, terá consequências nas Américas semelhantes apenas à eleição de Lula no Brasil.

Obama se revelou um presidente fraco, moderadamente conservador, completamente subserviente aos interesses imperiais dos Estados Unidos, o que eu esperava. Ele está enfrentando uma notável reação da direita. O movimento Tea Party logrou explorar a crise financeira com uma linha de extrema direita, antigoverno, um movimento antielite, que habilmente deixou de lado questões da crise capitalista e da desigualdade econômica. Comparativamente, o movimento Occupy Wall Street é pequeno e pobre. Como tem sido demonstrado nas primárias, o Tea Party e os cristãos fundamentalistas moveram o Partido Republicano de volta para uma era [Barry] Goldwater e além. Com a incipiente recuperação econômica, é provável que Obama vença esse desafio, mas certamente não de uma forma esmagadora como aquela em que Lyndon Johnson conseguiu em 1964. Nas eleições norte-americanas não há presença significativa da esquerda. Mas uma coisa a observar é o movimento para conseguir assinaturas para fazer a eleição de recall do governador de direita de Wisconsin, que no ano passado empurrou leis para abolir direitos de sindicatos e funcionários públicos.

Eu nunca esperei muito de Obama, mas ele tem sido pior do que eu esperava: mais imperial, mais conservador social e economicamente. Mas, considerando o seu adversário republicano medonho –Romney ou qualquer outro– eu espero e acho que Obama vença.

Como o sr. define o modelo chinês? Como a ascensão da China mudou os parâmetros de analise baseados na dicotomia entre centro e periferia?

A China, e depois o Vietnã, é um país de rápida e crua acumulação capitalista, mas dirigido por um forte partido comunista, oficialmente comprometido com o socialismo. Isso significa que mesmo no médio prazo, digamos de algumas décadas, o futuro da sua política econômica está em aberto. Se sua unidade nacional, seu desenvolvimento nacional e/ou sua estabilidade social forem percebidas ameaçadas pela liderança, uma mudança será feita. E a capacidade política e administrativa para fazer isso estará lá.

Sim, o velho padrão de centro e periferia, do tempo em que Fernando Henrique Cardoso era um marxista da dependência, mudou e a ascensão da China está no centro da mudança.

Por que o sr. considera a influência dos EUA decadente? A China pode se tornar o poder hegemônico no mundo?

Eu não considero “decadente”, que é um termo moralista, de base dúbia, mas em declínio, enfraquecendo. Dito como “declínio”, a sua pergunta é importante, porque enquanto fenômeno é bastante óbvio, a resposta é menos evidente do que muitas pessoas pensam.

O declínio é óbvio, veja dois exemplos recentes. No Egito, os EUA nada puderam fazer para preservar o seu segundo cliente mais caro do mundo (depois de Israel), o regime de Mubarak, também um confiável colaborador com Israel. Nem foram capazes de impor um novo regime satélite –embora a possibilidade de ter um general na folha de pagamento do Pentágono para “parar a ameaça islâmica” não seja inconcebível, não é provável até agora.

Em dezembro último Hugo Chávez conseguiu lançar uma nova organização latino-americana fora da inflência dos EUA, a Celac. O que virá disso, se nada, é ainda incerto. Mas todos os líderes estavam lá em Caracas: os amigos norte-americanos de direita como Calderón, Piñera, Santos, assim como os líderes de esquerda e os de centro-esquerda, incluindo Raúl Castro. Antes de 2000, algo assim seria impensável.

O declínio da influência norte-americana é acima de tudo geopolítico e ideológico. As bases do declínio são a ascensão de novos e grandes agentes econômicos, a China em primeiro lugar, mas também a Índia e o Brasil, uma pirâmide montada sobre uma forte base de altas taxas de crescimento econômico e, praticamente, tricontinental, com América Latina, Ásia e África. Além disso, há a perda de significado da liderança ideológica dos EUA após o fim da Guerra Fria e a óbvia incapacidade das explicações e receitas neoliberais anglo-saxônicas para a nova economia mundial.

A tentativa de substituir a Guerra Fria por uma caçada em grande escala e com devastações país a fora, a guerra ao Terror, nunca foi levada a sério por ninguém fora dos EUA, apesar de estados clientes terem encontrado uma forma necessária de participação simbólica.

O declínio da influência dos EUA significa que, acima de tudo, cada vez menos pessoas e políticos enxergam os seus interesses como coincidentes com os dos EUA, como império e ideologia. O risco de ignorar os interesses norte-americanos também diminuiu. O fim da mobilização da Guerra Fria, o discurso pelos direitos humanos que se desenvolveu estimulado pela administração Carter, e, em terceiro lugar, a crescente lista de erros de cálculo militares norte-americanos, do Líbano em 1970 e da Somália em 1990 até as frustrantes guerras no Iraque e no Afeganistão, contribuíram para reduzir os riscos de golpes de estado financiados pela CIA e ocupações por marines. Bombas, mísseis e aviões teleguiados são muitos presentes na pauta norte-americana, como está sendo visto quase diariamente no Paquistão e como sublinha Obama em suas ameaças ao Irã. Mas elas em si não são meios muito eficazes para fazer mudanças para regimes desejáveis.

Deve ser enfatizado também onde não há declínio ou ele é muito pequeno. Enquanto a relativa predominância econômica dos EUA decai significativamente, não deve ser esquecido que grande parte da vanguarda da economia mundial ainda é norte-americana. Apple, Microsoft, Facebook, Amazon são norte-americanas, assim como a Boeing. Os EUA ainda são o centro do entretenimento de massa, assim como da pesquisa científica. Os EUA são a única superpotência militar e seus gastos militares são mais do que o dobro dos gastos que fazem juntos a China, a Grã-Bretanha, a França, a Rússia e o Japão.

No seu livro o sr. diz que países com grandes mercados internos e baixas exportações fracassam. O Brasil não contradiz essa tese? Ter um mercado interno forte não é importante hoje?

Não, eu falei de países economicamente voltados para dentro, com baixo comércio. O Brasil democrático, incluindo os governos Lula e Dilma, sempre prestaram atenção nos investidores externos e nas suas visões para o Brasil. Recentemente o Brasil parece ter sido muito impulsionado pelas exportações de commodities.

O Brasil está discutindo a questão da desindustrialização. Isso deve preocupar o país?

A desindustrialização tem importantes consequências sociais. No curto prazo, há desemprego e declínio nas cidades e vizinhanças. No longo prazo, de forma mais duradoura, a desindustrialização geralmente leva à polarização social. Os que têm relativamente melhor remuneração e são sindicalizados do setor manufatureiro tendem a ser substituídos pelo trabalho mal remunerado no setor informal de serviços em grande parte da classe trabalhador. E há mais cortes nas classes prósperas das profissões de alta tecnologia. Foi isso que aconteceu nos EUA e na Grã-Bretanha nos anos 1980 e 1990. Mesmo na terceira maior cidade da relativamente bem integrada Suécia a mesma polarização emergiu, com os seus concomitantes de desespero, drogas, violência e crime.

Então, sim, o Brasil deve se preocupar. Além disso, o Brasil deve ser capaz de fazer algo a respeito. Nos EUA a indústria automobilística foi efetivamente revivida pela ajuda governamental na crise. Há uma crescente opinião de que a manufatura pode ser trazida de volta aos EUA. Talvez o Brasil tenha a chance de evitar o trauma da terceirização.

O nacionalismo está crescendo no mundo. Isso é bom ou ruim? Para quem?

O quadro é mais complicado. Temos também um crescente número de organizações transnacionais e alinhamentos, incluindo as recentes tentativas de tornar os Brics em algo real. A União Europeia tem uma fila de candidatos e há vários esforços regionais em todos os continentes.

Um tipo de nacionalismo ascendente é claramente ruim, embora seja socialmente compreensível. É o nacionalismo alimentado pelos atritos das recentes ondas migratórias. O nacionalismo xenofóbico também cresce na esteira dos estados decaídos, como aconteceu com a extinção da URSS e na Iugoslávia e, mais recentemente, com o desmoronamento do regime de Gaddafi na Líbia.

Uma forma muito diferente de nacionalismo está emergindo a partir de regiões e etnias subjugadas pelo moderno desenvolvimentismo. É o nacionalismo cultural dos povos indígenas ou as “primeiras nações”, como eles são chamados no Canadá, muito importante na indo-américa contemporânea. Está também retornando na Europa Ocidental, da Escócia à Catalunha. Embora não esteja acima de uma crítica legítima, é um tipo de nacionalismo que merece respeito, com reivindicações de reconhecimento existencial e de igualdade.

Como o sr. analisa o marxismo hoje, depois do fim da URSS?

O marxismo é uma unidade original entre filosofia, análise social e política. Assim, gerou uma coletividade com identidade transcontinental. Muito dessa unidade está quebrada agora. Os políticos comunistas poderosos se desvincularam muito de Marx. Políticos reformistas da classe trabalhadora precisavam desenvolver uma classe política que fizesse em pedaços as interpretações apocalípticas do marxismo, ao mesmo tempo permanecendo no rumo pós-capitalista da emancipação marxiniana. É uma tarefa difícil e, na maioria das vezes, é simplesmente abandonada, como aconteceu com a social democracia alemã em 1959 e com seus admiradores latino-europeus. Ou suspensa por meio da retórica ortodoxa e da prática oportunista, como entre os socialistas latino-europeus até 1980. A tarefa foi levada a sério apenas na Escandinávia, no final dos anos 1960, na Suécia em particular, em teorizações sobre a “luta de classes democrática” e em programas para transcender a propriedade e a gestão capitalista. Muito pouco disso foi realizado na prática, em parte devido a questões ambientais.
Entretanto, como eu explico no livro, foi decisiva a mudança no capitalismo, com desindustrialização, revolução eletrônica e a emergência do capital financeiro. Tudo isso parou e inverteu a tendência de longo prazo da propriedade coletiva, da regulação pública e de fortalecimento da classe trabalhadora. A queda da URSS foi um propulsor político, mas, no longo prazo, a história do impasse do socialismo soviético teve as mesmas raízes da social democracia europeia. O marxismo como uma identidade coletiva foi seriamente enfraquecido e é improvável que retorne a ter a sua força anterior.

Qual a influência do marxismo hoje em partidos e sindicatos? E em movimentos como o “Occupy”? E entre a juventude, sempre associada ao individualismo?

O marxismo no sentido amplo mantém a influência em partidos comunistas e de esquerda. Na Ásia, na Coreia do Sul, no Japão, na Índia e no Nepal há força parlamentar governamental, assim como na China e no Vietnã. Na África, fora pequenos círculos intelectuais, está muito confinado na África do Sul, com um ponto de apoio no Senegal. Na América Latina, o chavista “socialismo do século 21” não parece ter muita fidelidade em relação ao marxismo, apesar de o vice-presidente da Bolívia, Álvaro Garcia, ser um grande teórico marxista. O partido comunista do Chile está crescendo como uma força política, saindo do seu isolamento. É o mais importante desse tipo na América Latina. A “inteligência portenha” ainda abriga uma forte influência marxista, mas do que a mexicana ou a brasileira. Mas o Brasil ainda tem um não insignificante partido comunista.

Na Europa há partidos comunistas não negligenciáveis, com ao menos um discurso marxista, em Portugal, na Grécia, na França e no Chipre todos com uma forte influência sindical e na República Tcheca, Rússia e Ucrânia. Partidos socialistas de esquerda com influência marxista existem na Alemanha, França, Holanda, países nórdicos, Espanha, mas dificilmente na Itália. Na Suécia, há uma fundação intelectual independente chamada Centro para Estudos Marxistas e, na Alemanha, a Fundação Rosa Luxemburgo é um equivalente com mais recursos. A Alemanha continua a publicar revistas intelectuais marxistas independentes, como “Argument and Prokla” [Problemas da Luta de Classe]. A política britânica de esquerda nunca foi muito marxista, mas há lá um vibrante marxismo em torno da “New Left Review” e editores como Verso Zed, Pluto, Lawrence & Wishart. A América do Norte tem uma pequena política marxista, mas um marxismo acadêmico profissional muito respeitado. Em 1990 Immanuel Wallerstein foi eleito presidente da enorme Associação Americana de Sociologia, seguido mais recentemente por Michael Burawoy e Erik Olin Wright. O Canadá também tem marxistas acadêmicos de primeira linha, como Colin Leys e Leo Panitch.
O movimento Occupy foi inicialmente anarquista no sentido amplo. É possível encontrar marxistas entre os militantes, mas apenas como indivíduos e minorias. Movimentos radicais recentes de jovens, do Fórum Social Mundial à Primavera Árabe, têm muito poucas raízes no marxismo. Mas é notável que classes de leitura de Marx estejam crescendo em partes dos EUA, bem como em universidades suecas e alemãs.

Qual é a sua definição de pós-marxismo?

O conceito não foi inventado por mim, mas pelos meus amigos Ernesto Laclau e Chantal Moufle, que o queriam diferente da implicação hostil do pós-modernismo. Eu o uso para me referir a escritores que possuem uma explícita formação marxista e cujo trabalho recente tem ido além da problemática marxista, por exemplo, da análise de classe ou da política econômica capitalista. São aqueles que, sem renunciar à tradição marxista ou à relevância das questões e preocupações marxinianas, falam de exploração, alienação e sua superação.

No seu livro o sr. diz que a cultura acadêmica progressista está decadente. O sr. ainda pensa assim?

Você quer dizer que eu disse que está em declínio. Há exceções nacionais, talvez mais fortemente na América do Sul andina, e tem havido uma notável resistência nas universidades de ponta dos EUA, mas, no conjunto, a ausência de alternativas sócio-políticas de credibilidade, mesmo durante o crash financeiro, está cobrando o seu o preço no pensamento acadêmico. É mais um processo de apatia cívico do que uma virada à direita; virada essa que já aconteceu algumas décadas atrás.

Como o sr. analisa a questão do individualismo hoje?

É crucial distinguir entre o individualismo egoísta, fundamentado do individualismo econômico, do solidário, essencialmente um individualismo existencial. O individualismo egoísta econômica existe no Tea Party. Uma apresentadora de TV estava protestando contra uma abordagem coletiva para a crise: por que eu deveria pagar para a hipoteca do meu vizinho? Vamos ter um Tea party (originalmente contra um imposto britânico sobre o chá). Esse é um individualismo burguês na sua forma extrema e de fato hoje, como historicamente, é cohabitado com familismo patriarcal. O polo oposto do individualismo ocorre em movimentos juvenis mais progressistas atualmente. É um individualismo existencial, que afirma ao seu direito a um estilo de vida individual, seja ter um cabelo verde, ser bissexual, vegan, punk etc, ou os seus opostos. Mas ao mesmo tempo é capaz de ter empatia com os outros, dando apoio e solidariedade.

Qual sua opinião sobre o governo Dilma Rousseff e o Brasil?

Os seus leitores sabem mais sobre o seu governo do que eu. Mas, de longe, tenho a impressão de que ela é uma executiva forte e competente.
O sr. disse que o neoliberalismo fez coisas boas e algumas privatizações foram positivas. O sr. ainda tem essa opinião? O sr. acha que as privatizações devem ser política de governo?
Até onde eu sei, nunca disse que o neoliberalismo fez coisas boas, mas é verdade que eu não acho que ele deva ser visto como um mal absoluto reencarnado. A abertura de mercado para as telecomunicações claramente funcionou. Definitivamente, não acho que os governos devam buscar mais privatizações. Ao contrário, a questão principal é a responsabilidade pública e a transparência pública para os cidadãos.

Qual é o melhor autor marxista da atualidade?

Esse tipo de ranking é uma espécie de americanização banalizada que eu não faço. Mas um Olimpo marxista pode ser delineado. Aí se encontra o decano de todos nós, o historiador britânico Eric Hobsbawm, o teórico do sistema mundial Immanuel Wallerstein, o estudioso urbano e teórico social David Harvey, e o historiador britânico Perry Anderson, o espírito em movimento do mais vibrante ambiente intelectual do mundo, a New Left Review, de Londres.
Estou dolorosamente ciente do provincianismo do Atlântico Norte nesse elenco, apesar de todos os seus participantes terem amplas credenciais globais. Mas pode ilustrar as limitações geoculturais do marxismo, apesar das contribuições muito originais do passado de Mao Zedong e José Carlos Mariátegui.

Qual o melhor governo da atualidade de um ponto de vista marxista?

Nunca na minha vida pertenci a coros de homenagens a governos. E certamente não há um marxista “melhor” hoje. No entanto, longe do melhor mundo em que vivemos, é notável que a América Latina, graças a seus governos de centro-esquerda e movimentos de esquerda, é a única parte do mundo onde a desigualdade econômica está declinando. Essa esperança na América Latina precisa ser qualificada, porém, pela consciência de que o declínio da desigualdade econômica na América Latina começa a partir do topo mundial.

Fonte: Eleonora de Lucena da Folha de São Paulo

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