“Uma política salarial permanente, além de valorização do servidor, levaria estabilidade ao Estado e a suas políticas públicas”
A decisão do governo federal, pelo segundo ano consecutivo, de não atualizar os salários dos servidores do núcleo estratégico do Estado tem sido percebida como descaso para com os responsáveis pela concepção, formulação, implementação e avaliação das políticas públicas no Brasil.
Mais do que isso, tem passado a idéia ou impressão de que não há preocupação com a regularidade no cumprimento dos objetivos fundamentais da República nem compromisso com a efetividade das macrofunções do Estado (função política, função executiva, função jurisdicional e função fiscalizadora) a cargo desses servidores.
As carreiras exclusivas de Estado ou do núcleo estratégico, como se sabe, atuam no planejamento, formulação, avaliação e fiscalização das políticas públicas, portando, subsidiando o processo decisório. Precisam, para o exercício pleno de suas atribuições e responsabilidades, garantias e proteção, além de remuneração adequada, inclusive para se defenderem de injunções decorrentes da natural alternância do poder estatal.
Ora, se as carreiras que sustentam o funcionamento do Estado e colocam em prática os seus monopólios (legislar, fiscalizar, regular, julgar e punir) não forem valorizadas, o que esperar do governo em relação aos demais serviços e servidores? Honestamente, não parece uma atitude prudente.
As entidades e os servidores das carreiras de Estado são responsáveis e possuem discernimento para compreender momentos de grave crise financeira, que são exceção, mas não entendem a ausência de uma política permanente de valorização e qualificação dos serviços e servidores da União, inclusive pela incoerência dessa postura.
Se todas as receitas da União, assim como seus contratos de compra ou de prestação de serviços, são corrigidas diariamente, especialmente os tributos e as dívidas reconhecidas judicialmente pelo Estado, por que os salários de seus servidores não deveriam ser atualizados ao menos uma vez ao ano?
Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal já limita a despesa com pessoal da União, estados, Distrito Federal e municípios a uma percentual da receita líquida corrente, que, no caso do Governo Federal, está longe de ser alcançado.
Aliás, em termos percentuais, com os recordes frequentes de arrecadação, a despesa com pessoal tem caído tanto em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) quanto em relação à receita líquida corrente, não havendo nenhuma justificativa para a ausência de revisão anual dos salários dos servidores. Isso sem mencionar o fato de que a Constituição expressamente determina, no art. 37, X, a revisão geral dos vencimentos, remunerações e subsídios, comando que tem como fundamento a preservação do valor real dos rendimentos dos servidores e sua proteção contra a perda do poder aquisitivo da moeda.
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A omissão do Poder Executivo no cumprimento da Constituição e das leis, ao se negar a propor uma política permanente de revisão, atualização e reajuste anual dos salários dos servidores, poderá criar constrangimento e despesas para o governo, com eventuais decisões judiciais determinando a recomposição do poder de compra ou das perdas inflacionárias.
A adoção de uma política de revisão ou reajuste permanente, para repor o poder de compra dos salários dos servidores, além de valorização e respeito ao funcionalismo, também possui a vantagem de evitar prejuízo e constrangimento ao Poder Executivo, que poderá ser obrigado a cumprir decisão judicial por descumprimento de preceito constitucional e legal.
Parâmetro para tanto não faltam. O Poder Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, poderá, em julgamento de mandato de injunção ou ação de inconstitucionalidade por omissão, por exemplo, fazer justiça a parcela expressiva do funcionalismo. Bastaria, em nome da isonomia e da equidade, estender aos servidores ativos e inativos com paridade o mesmo reajuste assegurado em lei para os inativos sem paridade, nos termos da lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008.
A Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008, em seu artigo 171, ao alterar o artigo 15 da Lei 10.887, de 18 de junho de 2004, acertadamente, mandou estender aos proventos de aposentadorias e pensões do regime próprio sem paridade, na mesma data e com o mesmo índice, o reajuste assegurado anualmente aos benefícios do regime geral de previdência social, a cargo do INSS.
A propósito, o Supremo tem suprido as omissões de autoridades na regulamentação de matéria constitucional ou no cumprimento de princípio constitucional, determinando a aplicação, por analogia, de leis pré-existentes, como no caso dos mandatos de injunção em favor da aposentadoria especial dos servidores, quando mandou aplicar as regras do regime geral de previdência.
O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, em julgamento de recurso extraordinário, suspenso por pedido de vista da ministra Carmem Lúcia, acolheu pedido de indenização de servidores públicos do estado de São Paulo pela omissão da administração pública no cumprimento da revisão geral anual, previsto art. 37, inciso X, da Constituição.
Para o ministro, correção monetária não é ganho, lucro ou vantagem. É mero reajuste ou atualização salarial, componente essencial do contrato do servidor com a administração pública. É, segundo ele, a forma de resguardar os vencimentos dos efeitos perversos da inflação, como tem sido praticado no setor privado, onde as negociações têm assegurado ganhos reais, acima da inflação.
Portanto, uma política salarial permanente, além de valorização do servidor, levaria estabilidade ao Estado e a suas políticas públicas, sem qualquer risco de passivo judicial no futuro nem de comprometimento das receitas acima dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, que veda qualquer reajuste sempre que esse teto for ultrapassado, independentemente da razão que o motivou.
Logo a prudência recomenda – como imperativo de respeito aos contratos, à Constituição e às leis – que o valor das obrigações do Estado seja atualizado, inclusive com os salários de seus servidores, assim como são corrigidas todas as suas receitas. É uma questão de equidade e respeito à própria Constituição.
Não descansaremos enquanto não convencermos as autoridades dos três poderes da União, em geral, e à presidente da República, em particular, da importância, justiça e necessidade de adoção de uma política salarial que dignifique os assalariados e aposentados e pensionistas do Serviço Público.
*Fonte: DIAP – ÁLVARO SÓLON FRANÇA, Auditor Fiscal e Presidente da ANFIP